Humilhação, tortura e morte: imagens chocantes mostram rotina de pacientes em clínica clandestina
Uma das imagens obtidos mostra um paciente sendo obrigado a entrar nu, de madrugada, dentro de uma piscina
Em uma área rural no Entorno do Distrito Federal, homens jovens e idosos que sofrem com a dependência química são submetidos, diariamente, a humilhações e sessões de tortura que já resultaram até em mortes.
Todos esses episódios cruéis se passavam dentro da Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas, situada na região das Chácaras Marajoara, em Luziânia (GO). E, apesar de boletins de ocorrência registrados na Polícia Civil de Goiás (PCGO), o espaço permanece aberto e recebendo novos pacientes.
A reportagem conversou com algumas das vítimas que sobreviveram ao martírio na clínica de reabilitação, que, segundo a Federação Nacional de Comunidades Terapêuticas (Fenact), funciona de forma clandestina e é administrada por Tiago de Morais Araújo, que se apresenta como enfermeiro.
Fome, dopagem e mortes
A rotina dentro da casa era de dor e sofrimento. A lista de supostos crimes cometidos por Tiago e seus funcionários é extensa. Ele é acusado de bater, humilhar e permitir circulação de drogas no local.
Ainda de acordo com relatos de “sobreviventes”, não era permitido manter qualquer tipo de contato com a família, e havia a prática de dopagem com medicamentos sem prescrição médica. Em casos mais extremos, muitos, inclusive, disseram passar fome, pois as refeições eram rigidamente controladas por Tiago e seus monitores.
No caso mais aterrorizante, um interno morreu, em março deste ano, após ser obrigado a ingerir doses cavalares de medicamentos controlados. Um dos homens que conversou com o Metrópoles presenciou a cena:
“Eu fiquei internado por dois meses. E, enquanto estive lá, presenciei acontecimentos horríveis. Muitos pacientes eram medicados à força e em alta quantidade quando se comportavam mal. Em um desses episódios, um homem chegou a morrer. Ele estava alcoolizado e, assim que chegou na clínica, o doparam. Quando o dia amanheceu, infelizmente, estava morto”, contou. Apesar de diversas testemunhas confirmarem o óbito, a PCGO não divulgou mais detalhes da investigação.
Cerca de um mês depois, em 24 de abril, outro paciente apareceu morto na Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas. Carlos Eduardo Rodrigues, 44 anos, não passou sequer 24 horas sob os cuidados de Tiago. O homem foi internado na tarde do dia 24/4 pela mãe e, durante a noite, faleceu. O óbito dele é investigado pela PCGO, por meio Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Luziânia.
“Danone”
Os internos, conforme narra um outro ex-paciente da clínica clandestina, eram sedados com uma mistura chamada de “Danone”. A combinação era composta por Neozine de 100 mg com 50 gotas de Clonazepam. De acordo com ele, as vítimas medicadas chegavam a ficar até três dias dormindo sem ingerir água e alimento.
barriga. Mesmo dias depois, o rapaz carregava cicatrizes na região.
Em outras imagens obtido, é possível ver um homem sendo obrigado a entrar nu na piscina da clínica de madrugada. Ao fundo, funcionários riem e debocham da situação.
“Aquele lugar é pior que uma prisão, parecia que eu estava em uma senzala. Rezei por muitos dias, porque achei que ia morrer lá dentro”, contou um ex-interno.
Mesmo com o fim dos dias de agonia depois de sair da clínica, as vítimas relatam que carregarão marcas pelo resto da vida. “Ainda sinto muita tristeza por tudo que passei e espero que a justiça seja feita. Nós fomos tratados como se não fôssemos seres humanos, e carrego traumas até hoje: não consigo mais dormir, tenho várias crises de pânico e sonhos por conta de tudo que aconteceu”, disse uma pessoa.
Familiares
Ainda conforme as denúncias investigadas pela PCGO, Tiago utilizava a manipulação como uma carta na manga para enganar as famílias dos pacientes. “Encontrei essa clínica pela internet e, no início, parecia ser de confiança. A pessoa que entrei em contato foi superatenciosa, me ligou para explicar a dinâmica e me mandou várias fotos. No desespero, acabamos optando por fazer internação lá, mas me arrependo amargamente”, contou uma familiar de um dos ex-internos.
“Aos poucos, fui percebendo que tinha algo de errado. Não me enviaram o contrato e não permitiam que eu tivesse contato com meu parente. A minha família só ficou sabendo de tudo que estava acontecendo quando esse familiar conseguiu nos falar escondido, porque até as ligações são monitoradas”, complementou.
Estratégia
No local onde atualmente funciona a Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas operava, anteriormente, a Comunidade Terapêutica Restauração (CTR). Essa última teria sido fechada por também supostamente maltratar pacientes. O espaço mudou apenas de nome, mas manteve a rotina de sofrimentos dos pacientes.
Para driblar a Justiça, o suposto enfermeiro abriu um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) identificando a empresa como uma comunidade terapêutica, mas, na verdade, oferece serviço de clínica psiquiátrica com internações compulsórias.
humanizado contra a dependência química. As pessoas que cometem esses crimes querem apenas lucrar com o sofrimento das famílias dos pacientes”, pontuou Henrique França.
Luta antimanicomial
A Luta Antimanicomial surgiu justamente por casos como os registrados dentro da Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas. O movimento tem o intuito de garantir que direitos de pacientes sejam preservados e impedir situações de maus-tratos.
O psiquiatra Anibal Okamoto esclarece que, na maioria dos casos, os dependentes químicos não são vistos como seres humanos. “Infelizmente, essas pessoas não são ouvidas. O preconceito que existe em relação à adicção ainda é bem forte, então essas queixas muitas vezes são deixadas de lado”, explicou.