Covid-19: quase metade dos pacientes apresenta sequelas após um ano da internação
Fraqueza muscular e falta de ar são as complicações mais relatadas, assim como uma queda nos índices de bem-estar geral
Postado 27/08/2021 às 09h35
Por População Ativa
Um ano depois da hospitalização, pacientes da primeira onda da covid-19 na cidade chinesa de Wuhan ainda sofriam sequelas da doença. Um em cada três internados que receberam alta entre janeiro e maio de 2020 no local considerado o epicentro da pandemia relatava falta de ar 12 meses depois, e os parâmetros de bem-estar geral eram piores nesse período nos que foram infectados pelo Sars-CoV-2, comparados a pessoas com o mesmo perfil que não tiveram a doença. Esse é o resultado de um estudo com 1.276 adultos com mais de 18 anos publicado, ontem, na revista The Lancet.
Segundo um dos autores, Bin Cao, do Centro Nacional de Medicina Respiratória do Hospital da Amizade China-Japão, na China, possivelmente, muitos sobreviventes exibirão sintomas por mais de um ano. “Nosso estudo é o maior até agora para avaliar os resultados de saúde de sobreviventes de covid-19 hospitalizados após 12 meses de adoecimento.
Embora a maioria tenha se recuperado bem, os problemas de saúde persistiram especialmente naqueles que haviam estado gravemente enfermos durante a internação. Isso deve ser levado em consideração ao planejar a prestação de serviços de saúde pós-pandemia”, afirmou, em nota.
Desde os primeiros meses do Sars-CoV-2, há relatos sobre a persistência de sintomas, e a covid-19 longa hoje é considerada uma preocupação crescente. O artigo publicado ontem é parte de um estudo maior, dos mesmos pesquisadores, que, anteriormente, haviam detectado, em outro coorte de pacientes, que três quartos deles continuavam com problemas de saúde passados seis meses da infecção. Agora, o prazo da pesquisa foi ampliado para um ano.
Os participantes tinham idade média de 57 anos, haviam sido internados no Hospital Jin Yin-tan, de Wuhan, e foram avaliados detalhadamente seis e 12 meses depois de receberem alta. A análise incluiu questionários, exames físicos e laboratoriais e um teste de caminhada de seis minutos, para avaliar o nível de resistência.
Pessoas que foram tratadas com corticosteroides durante a fase aguda da doença tiveram 1,5 vezes mais probabilidade de sentir fadiga ou fraqueza muscular após 12 meses, em comparação com aquelas que não receberam esses medicamentos na internação.
O estudo também avaliou a saúde mental dos pacientes recuperados da covid-19. Em um ano, 23% tiveram depressão e/ou ansiedade, percentual que aumentou para 26% passado um ano. “Ainda não entendemos completamente por que os sintomas psiquiátricos são ligeiramente mais comuns em um ano do que em seis meses”, admitiu, em nota, Xiaoying Gu, um dos autores e pesquisador do Hospital da Amizade China-Japão.
“Isso pode ser causado por um processo biológico ligado à própria infecção do vírus ou pela resposta imunológica do corpo a ele. Ou pode estar ligado à redução do contato social, solidão, recuperação incompleta da saúde física ou perda do emprego associada a doenças. Grandes estudos de longo prazo de sobreviventes de covid-19 são necessários para que possamos entender melhor as consequências de longo prazo para a saúde física e mental da doença”, afirmou.
Trauma
Um dos impactos da covid-19 na saúde mental dos sobreviventes é o aumento de casos de estresse pós-traumático, um sintoma que, segundo outro estudo publicado ontem, está associado a mudanças na conectividade do cérebro. Segundo Vince Calhoun, da Universidade Estadual da Geórgia, nos EUA, está cada vez mais claro que a doença afeta, em longo prazo, o sistema nervoso, causando sintomas neurológicos e mentais, como ansiedade e depressão.
Calhoun é um dos autores de um estudo que examinou anomalias funcionais no cérebro que podem estar por trás desses problemas. Em um artigo publicado na revista Neurobiology of Stress, ele os outros pesquisadores fizeram exames de ressonância magnética funcional (fMRI) em 50 sobreviventes que receberam alta entre fevereiro e março de 2020 em Wuhan e que relataram sintomas de estresse pós-traumático. Seis meses após a alta, os participantes foram analisados.
Os resultados mostraram, primeiramente, que os sobreviventes de covid relataram significativamente mais sintomas do transtorno do que os do grupo de controle. O estudo também revelou padrões anormais de conectividade cerebral ao longo do tempo nesses pacientes. “Quando observamos o grupo de sobreviventes de covid, encontramos uma relação significativa entre a gravidade dos sintomas de estresse pós-traumático e a frequência com que seus padrões cerebrais estão nesse estado alterado”, diz Calhoun.
De acordo com ele, os resultados destacam a importância de avaliar mudanças transitórias na rede funcional entre ex-pacientes de covid. Contudo, Calhoun observa que ainda há muitas perguntas sem resposta, incluindo por que esse estado cerebral está associado ao estresse pós-traumático.
Palavra de especialista
Melhor prevenir
“Alguns dos sintomas pós-covid podem não ser muito graves. Mas alguns deles, certamente, são, e, em muitos casos, esses sintomas de longa duração serão debilitantes. Por isso, é vital entendê-los adequadamente e fornecer o tratamento adequado, além dos serviços de apoio para as pessoas envolvidas. Nesse ínterim, prevenir é melhor do que remediar. Então, implantar vacinações para todas as populações globais, a fim de reduzir as infecções e a incidência de quaisquer complicações relacionadas, nos ajudará a reduzir o custo e a carga para os sistemas de saúde dos casos de covid longa”